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Fetiches: o que é permitido no sexo além do amor romântico?

Ilustração: Flavia Totoli

Ilustração: Flavia Totoli


Antes de mais nada, precisamos separar os fetiches realizados consensualmente entre dois adultos de plena capacidade mental dos distúrbios que podem, inclusive, gerar crimes, como a pedofilia e a zoofilia.


A nossa sexualidade se desenvolve como um segredo, apesar de toda a revolução sexual dos últimos 40 anos, ainda encaramos como tabu falar de fetiche e atividades sexuais que fogem do senso comum (e mais se distanciam do sexo para fins reprodutivos).  

Nossa sociedade é sexofóbica e repressiva, além de tratar a ignorância a respeito da sexualidade como um bem precioso.

A ignorância sexual é uma ótima forma de se colocar como classe dominante e afirmação de poder, transformar fantasias e fetiches sexuais em ilhas de sexualidade periférica é uma forma de castrar e manipular o outro.

O fetiche por sua vez sempre foi tratado como forma de perversão, lançando seus praticantes a figura de anormal. A catalogação das práticas sexuais classificadas como fetiche por psiquiatras jogou a sexualidade divergente do comum na área de aberração sexual, transformando em realidade analítica, visível e permanente como modo de conduta indigna. Ou seja, o que era para ser considerado variável da personalidade, auto identidade individual e conduta tomou forma de inadequação sexual.

A primeira vez que percebi que gostava de sentir dor e ter hematomas eu ficava com um amigo pelas ruas do Ipiranga, eu tinha 15 e ele 17, estávamos afoitos e acabamos nos pegando com força contra uma parede, apreciei os hematomas por dias feliz por estar dolorida.

Foi também nessa época, por falta de lugar para transar e por morarmos num bairro em que as ruas se esvaziavam logo após as 19h é que descobri que gostava de transar em locais públicos. Gostar de bandas que abordavam bastante temáticas envolvendo fetiches e BDSM me fez, com certa naturalidade, entender todo esse caminho fetichista que minha vida sexual passava a seguir.

Mesmo 15 anos após o início das minhas buscas por fóruns que falavam abertamente sobre fetiches, ainda é tabu falar de práticas sexuais que fogem do tom reprodutivo e do mito do amor romântico. O anonimato e os grupos fechados ainda ditam o tom do secreto (e romantiza esse clima de proibido) na sexualidade.

Não tão "incomum", mas também muito praticado é o fetiche por determinados grupos fora do padrão normativo de beleza que normalmente vem acompanhado do caminho mais próximo do armário, do escondido, da vergonha.

Nessa prática muito pouco comentada mas muito comum eu vivenciei, e muito, o cara que saia com meninas gordas escondido. No sussurro e ao pé do ouvido ele adorava cada dobra e gordura do meu corpo, mas em geral ele sempre namorava modelos da beleza padrão midiática e mal me dava oi ao me encontrar na rua - ele, na verdade são eles e caminham livres e leves entre as garotas com discursinho tradicional do "você é diferente".

Apesar de classificar como fetiche, considero aqui mais um ato de fetichizar um grupo e isso é retirar o direito a humanidade do outro. Objetificar todo um grupo de pessoas em busca de um prazer - na maioria das vezes - puramente egoísta. Assumir que está fora do lugar-comum que a sociedade classifica como normal na sexualidade ainda parece ser um ato de coragem, em especial porque um meio que gosta de fomentar um ambiente mítico e pouco expressado é polo de abusadores que gostam do silêncio em público e da falta de informação entre participantes e não participantes.

Falar sobre seus fetiches é uma maneira de explorar positivamente sua sexualidade, o diálogo é sempre o melhor começo para prática. Todo fetiche precisa de consensualidade, segurança e sanidade para ser realizado, se preocupar com o seu bem-estar físico e emocional, e o do outro também, é uma ótima forma de exercitar a empatia.  


Sexualidade: a trilha da mês

A trilha da Comum desse mês é sobre sexualidade feminina. Vamos explorar o tema juntas, através de textos, vídeos, conversas no fórum e práticas. O percurso começou em setembro e está disponível integralmente só pras assinantes. Se quiser saber como se tornar uma pra ter acesso às trilhas, ao fórum e os encontros fechados, clica aqui e vem com a gente. 

O encontro é aberto a todas as mulheres. Saiba mais aqui.


A assinatura mensal da Comum dá acesso a parte fechada, que inclui as trilhas, o fórum, encontros só pra comunidade (on e offline) e desconto em encontros abertos ao público. Você pode pagar R$40/mês ou financiar uma mina que não possa pagar, com R$80/mês. Saiba mais aqui.


Thaís Mayume, sob o pseudônimo de Mayume Maldita, já editou, produziu e dirigiu filmes pornográficos pela produtora Xplastic. Sendo um deles premiado por melhor atuação LGBT com Mayanna Rodrigues, em 2015, no prêmio Sexy Hot. Organizou e produziu as exposições do festival PopPorn de 2012 a 2016. Acredita que é necessário o posicionamento feminino dentro de todas as áreas ligadas a sexualidade, em especial a pornografia, conseguindo assim modificar o meio e incentivar uma sexualidade positiva sem tantos tabus.

Flavia Totoli é nascida e criada em sampa. Sempre com um caderno de rascunhos na bolsa. Apaixonada por imagens e contar histórias (de preferência tudo junto).