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“Eu só queria um mundo em que mulheres negras pudessem gozar em paz” - sobre Luke Cage e a vida real

Ilustração: Flávia Totoli

Ilustração: Flávia Totoli

Luke Cage é um cara realmente incrível, além de gato é à prova de balas. Porém, é a detetive Misty Knight, interpretada pela atriz Simone Missik, que roubou a cena. Knight é a primeira heroína negra do Universo Cinematográfico Marvel (UCM) e nem preciso explicar o quanto isso é importante. Ok, se você ainda tem alguma dúvida, a própria atriz que interpreta a personagem dá a letra:

“É impressionante. Eu tenho sobrinhos e sobrinhas que eu sei que vão poder assistir a isso e dizer “uau, eu posso ser forte, eu posso ser duro”. E todas as meninas à volta do mundo poderem ter isso, terem alguém que as inspire”.

Eu sou uma das meninas ao redor do mundo que Simone Missik, no papel de Misty Knight, tem inspirado. Mas acho que vai além disso, eu me identifico. Não ando pelas ruas com uma arma perseguindo poderosos traficantes, porém, sei o que é transar com alguém e ser penalizada por isso.

A detetive Knight se destaca pela sua força, determinação, inteligência, poder de observação e análise. Algumas pessoas a consideram uma mulher “independente”, também acho, mas é evidente como Misty é uma mulher solitária. Sem amigos íntimos, namorados e família, fica claro que é ela e ela mesma quando a coisa aperta. Diferente de Luke, que em toda a sua trajetória teve alguém como confidente ou apoio. Eu queria sentar com a Misty e sacar qual é, mas eu só consigo observar a quantidade de mulheres negras que vivem a mesma história. Porque será?

Eu tenho algumas apostas e gostaria de compartilhar com vocês. Se você se importa muito com spoilers, se enfia numa maratona de Luke Cage e volta aqui pra gente conversar.

Quando se é uma mulher negra, você não tem que lidar apenas com o machismo, mas com o racismo também. Essas formas de opressão se misturam de um jeito cabuloso que nem sempre é visível. A gente sempre se pergunta se é porque somos mulheres e negras, mas raramente compartilhamos isso, ainda mais quando envolve sexo. Não é raro nos chamarem de “complexadas” e isso machuca muito. É melhor evitar, não é mesmo?

Misty perde a linha em alguns momentos e isso recai sobre ela de um jeito muito pesado, em dado momento a personagem até denuncia que esse comportamento é destinado a ela por ser mulher. É jogado com frequência na sua cara que andou transando com Luke, como se ela fosse inferior ou menos confiável por ter feito sexo no primeiro encontro.

Toda vez que isso acontecia eu queria mergulhar na tela e dar uns tabefes em quem estava falando essas coisas para Knight. A gente gosta do Luke, mas até ele usou isso contra a detetive. Em dado momento a gente percebe que esse não é o primeiro caso em que tiram sarro de algo relacionado a vida sexual de Misty.

Você pode me dizer que todas as mulheres podem passar por situações semelhantes, mas quem é a mulher que todos têm certeza que é “mais quente” na cama? Qual é a mulher que é sexualizada o tempo todo?

Eu me identifico com a Misty, porque como uma mulher negra, já vi a minha vida sexual ser usada para me ofender repetidas vezes. E sempre rolou de um jeito silencioso que me fez acreditar que o problema realmente era eu. Isso só me fez me fechar e confiar bem pouco em amigos e possíveis namorados, do jeito que pode ter rolado com a personagem.

O que nos dizem o tempo todo é que não importa se você é uma super heroína e uma profissional excelente, nossa sexualidade será sempre usada contra nós. Eu só queria um mundo em que mulheres negras pudessem gozar em paz. Será que é pedir muito? 


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Aline Ramos é jornalista e acredita que seu cabelo tem a potência de um cavalo. Escreve sobre feminismo, cultura e questões raciais no Que nega é essa?.


Flavia Totoli é nascida e criada em sampa. Sempre com um caderno de rascunhos na bolsa. Apaixonada por imagens e contar histórias (de preferência tudo junto).