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A noite que não terminou

Quando a Roberta Miranda te representa

Tive uma noite muito mal dormida. Fiquei acordada até as 3 da manhã para ver a eleição da primeira mulher para a presidência dos EUA. Não que eu tivesse certeza, mas as pesquisas davam uma boa segurança e todas as projeções davam Hilary. 

Montei uma lista no Twitter só de comentaristas políticos, liguei o app maravilhoso do Guardian com atualizações ao vivo, relembrei como funciona o sistema eleitoral americano. Estava ansiosa. Mas eu sou ansiosa com tudo, então tentei segurar a onda. 

Vieram as primeiras parciais: 29 a 4 para Trump. Comecei a me preocupar. "Nada fora do esperado", diziam os comentaristas. Estados já previsíveis. O NYTimes ainda contava 85% de chance para a Hillary. Tudo certo. 

Mas a noite avançava e a diferença entre eles também. Li alguns textos para me distrair da realidade que se colocava à minha frente, porque ia dar Hillary e eu não precisava passar por esse processo doloroso. Quando terminei, Trump tinha mais de 100 delegados dos 270 necessários. A graça acabou ali. 

Fui assistindo uma timeline internacional cada vez mais atônita com o que acontecia diante de seus olhos. Tive a sensação de um grande transe coletivo, em que ninguém acreditava no que estava acontecendo. Não era possível. Trump é explícito demais pra ser eleito com tanta facilidade. 

Mas tinha uma Flórida no meio do caminho. De novo. "Nunca um presidente foi eleito nos últimos anos sem ganhar a Flórida", eles diziam. Começou apertado, depois a vantagem aumentou para ele. Teve Flórida, teve Ohio e tantos outros estados que foram, pouco a pouco, angariando os votos para o homem laranja. 

O transe e a incredulidade só aumentavam conforme a setinha do NYTimes mudava de lado. Virou passeio. Foi uma virada daquelas de escrever enredo de filme. Mas calma, não tá nada certo, ela levou a California! Bota 55 delegados na conta. Virou! Se levar todos os outros estados-chave daqui pra frente ainda dá. 

Mas não levou. Às 2:51am veio a certeza de que Trump levou a Flórida e, junto com a notícia, eu resolvi dormir. Pensei: "pelo menos eu vi a tragédia acontecer, imagina meu susto se fosse dormir cedo e acordasse do nada com essa notícia?". Dormi, mas com aquela esperança típica de quem luta por um mundo melhor: a esperança de que virasse na madrugada (ainda dava) e eu acordasse com tudo calmo. 

Não acordei. O mundo tá do avesso e, ao invés da primeira mulher presidente, tem um cara que odeia mulheres. 

Não acordei, acho que ainda estou dentro do pesadelo. 


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Nana Soares é jornalista que vai escrever sobre desigualdades de gênero até elas deixarem de existir. Co-autora da campanha contra o abuso sexual do Metrô de São Paulo, escreve sobre feminismo e violência contra a mulher para o Estadão e faz parte do Pop Don’t Preach, um podcast sobre feminismo e cultura pop.