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Por que precisamos falar sobre sexo?

Demorei a entender o que significavam os risos nervosos, na minha roda de amigas, quando o assunto “sexo” surgia. Era engraçado pensar nisso: tive a sorte de crescer rodeada de meninas incríveis, ambiciosas, engraçadas, cheias de empatia pelas dores alheias, que pouco “gaguejaram” diante de assuntos complexos e polêmicos, porém era só surgir ela, a danada da palavrinha “sexo”, para de repente toda eloquência e intimidade que sempre compartilharmos serem substituídos por eles... aqueles risinhos nervosos, seguidos de silêncio e de troca de olhares desconcertados.

Eu pensei anos sobre o assunto e só há pouco tempo pude perceber que a resposta para aqueles risinhos é muito simples: nós mulheres não somos educadas/orientadas/incentivadas a falarmos sobre sexo.

Se isso já pode ser considerado um problema para mulheres como as minhas amigas, que cresceram em um mundo com determinados privilégios, eu não consigo mensurar o dano que esse silêncio causa em milhões de mulheres totalmente silenciadas e jogadas à margem por um sistema opressor e machista.

Você pode me perguntar “Mas porque é tão importante falar sobre sexo?”. Parafraseando Oscar Wilde:

tudo nesse mundo é sobre sexo, menos o sexo, porque sexo tem a ver com poder

Quando anulamos ou descartamos a possibilidade do sexo ser um tema presente em nossa vida, nós estamos entregando ao outro o poder de nos impor o que é prazer, de limitar como e quando devemos explorar o nosso corpo.

Tratar o sexo com naturalidade é uma atitude saudável e libertadora de diversas formas. A mais simples garante maior flexibilidade para explorarmos o nosso desejo, nosso corpo e aquilo que nos dá “tesão” sem medo de repressões e caras feias. Mas não é só isso, compartilhar as diversas possibilidades de satisfação na vida sexual feminina pode ser um grande alerta para aquelas mulheres que acham impossível encontrar felicidade no sexo, de que algo não vai bem e se deve procurar o motivo.

Uma vida sexual insatisfatória pode derivar de várias causas. Não podemos anular as diferenças de gênero criadas como uma delas. A desigualdade de gênero pode estar nos ensinamentos mais básicos vindos da infância, pode estar presente em um relacionamento abusivo e silenciador e também em todos os discursos machistas que transitam pela sociedade, que tenta nos fazer acreditar que apesar de convidadas para a festa não devemos aproveita-la ao máximo.

Recentemente, a psiquiatra Carmita Abdo, do Projeto Sexualidade, do Hospital das Clinicas da USP, realizou uma pesquisa sobre a vida sexual do brasileiro, que contou com a colaboração de 7.103 participantes. O estudo constatou que 50% das mulheres brasileiras sofrem algum tipo de disfunção sexual. Analisando estudos semelhantes ao de Abdo, o médico psiquiatra Geraldo José Ballone afirma que, ao contrário do que muitas pacientes acreditam, está provado que os casos de disfunção causada por limitações físicas são muito raros, sendo os mais comuns aqueles ocasionados por fatores psicológicos, que podem ser dos mais simples, como por exemplo, não se sentir nenhum um pouco a vontade durante o ato sexual.

Até me provarem ao contrário, não existe outra maneira para dizer o que gosta e não gosta, o que pode ou não pode se não for conversando!

Em 2015 tive a oportunidade de realizar uma pesquisa online destinada a conhecer um pouco mais sobre a condição sexual feminina. Contei com a participação de 2.168 mulheres, entre 16 e 60 anos. Dessas, apenas 29% afirmaram conversar com o parceiro sobre suas preferências sexuais. Em contra partida, 44% revelaram sentirem vergonha de dizerem não para desejos sexuais do parceiro. Falando mais claramente, 44% das minhas entrevistadas estão fazendo coisas que não gostariam de fazer na cama por vergonha de falarem “não” para seus parceiros!

Crescemos embaladas por um discurso de que sexo é sujo, de que sexo só é bom se é sinônimo de amor, de quem homens precisam mais dele do que as mulheres.

Falar sobre sexo é imprescindível em um contexto de séculos de repressão à sexualidade feminina. Estamos mergulhadas em mentiras, mitos e tabus que, se para algumas já foram derrubados e quebrados, para muitas ainda são inibidores.

Por isso que posso crer com todas as forças que falar sobre sexo não é apenas sentar-se à mesa de um bar e se vangloriar de suas aventuras sexuais. Falar sobre sexo é falar de autonomia, empoderamento, autoconhecimento, limites. Falar sobre sexo é também falar sobre política, sobre direitos humanos, sobre escolhas, sobre o próprio poder de escolher entre um sim e um não.


Sexualidade: a trilha da mês

A trilha da Comum desse mês é sobre sexualidade feminina. Vamos explorar o tema juntas, através de textos, vídeos, conversas no fórum e práticas. O percurso começou em setembro e está disponível integralmente só pras assinantes. Se quiser saber como se tornar uma pra ter acesso às trilhas, ao fórum e os encontros fechados, clica aqui e vem com a gente. 

O encontro é aberto a todas as mulheres. Saiba mais aqui.


A assinatura mensal da Comum dá acesso a parte fechada, que inclui as trilhas, o fórum, encontros só pra comunidade (on e offline) e desconto em encontros abertos ao público. Você pode pagar R$40/mês ou financiar uma mina que não possa pagar, com R$80/mês. Saiba mais aqui.


Nina Franco é jornalista e acredita que falar sobre mulheres vai muito além dos manuais de tendências e maquiagens. Em 2015 escreveu o Ebook "Sexualidade Feminina, uma história em construção". Hoje se dedica a pesquisa na área de antropologia, sexualidade e gênero.