Corpo.
Qual a primeira memória que vem a sua cabeça quando você lê ou ouve a palavra? É uma lembrança boa? Negativa? Opressora ou libertadora?
Para Giovana Camargo, o exercício a transporta quase que instantaneamente para a iniciação na vida sexual, quando teve de ser vista nua e crua. Antes disso, também rememora as primeiras vezes que teve o corpo publicamente exposto:
Quando achamos que nosso corpo não se encaixa, passamos a vê-lo como ineficaz, inadequado, inapropriado. Deixamos de enxergá-lo como um corpo vivo e potente, cheio de potências e virtudes. Endurecemos. Julgamos mais que acolhemos. Perdemos a habilidade de nos olhar com carinho e de cuidar dessa morada que habitamos. Com as pressões externas e os padrões estéticos, olhar para o corpo além da aparência não é, de fato, tarefa fácil.
Mas como podemos, então, nesse cenário por vezes tão violento, afinar os ouvidos para escutar o que há de mais genuíno nas nossas demandas corporais?
A virada de chave para Giovana foi perceber que a obesidade a estava podando sua mobilidade e também a estava privando de experienciar coisas que gostava. Foi assim que, olhando para uma dimensão muito pessoal, decidiu se submeter a uma cirurgia bariátrica. Desde então, aprende diariamente a cuidar de um corpo com o qual está aprendendo a conviver, a lidar e amar.
As mudanças também a despertaram para uma dimensão coletiva: percebeu que quando era obesa, não sabia que o formato de seu corpo era o formato de pessoas gorda — e que não havia nada de errado com isso. À época, achava que seu corpo era deformado. Foi assim que percebeu que nossos referências visuais são escassos, limitantes e tirânicos e que necessitamos urgentemente olhar para a estética de forma mais ampla, abraçando a ampliação dos nossos referentes: “Precisamos ver outros formatos de bucetas, de bundas, de pernas. Precisamos ver cores diferentes, cabelos diferentes. É assim que vamos olhar para novos lugares”.
É possível que encontremos respiros para nutrir o corpo além de padrões e obsessões, em um ritmo e de modos que nos alimentem como um todo?
Faça o exercício: quando você se vê, consegue se olhar com compaixão, mesmo que não ame o que a imagem reflete? Consegue escutar as necessidades reais do seu corpo e encontrar limites individuais ou estaciona no reflexo estético e fica difícil dar o passo seguinte?
Não é de uma hora para outra que iremos abandonar as amarras estéticas que nos foram impostas, verdade seja dita. E tudo bem. Mas há aí uma oportunidade única de ressignificarmos nosso corpo para além das aparências. Um bom começo talvez seja aprender a dizer não para coisas que, antes, fazíamos no automático — e isso envolve situações, lugares e até pessoas. Estou colocando meu corpo em situação de perigo? Quando me auto saboto? De que forma acabo me ferindo? Me mutilando?
A partir daí, vamos reconhecendo nossas limitações mais essenciais. Vamos aprendendo a respeitar o que há de mais precioso nessa jornada: o corpo que nos abriga. Em seguida, seremos capazes de estender esse olhar para as mulheres ao nosso lado — dando suporte para que elas também vejam todas as potencialidades de sua existência.
Não é fácil, mas cuidar do nosso corpo pode desencadear uma revolução, principalmente no que tange os grilhões patriarcais com os quais nos prenderam durante a história da humanidade. Vamos juntas, um ato de amor por vez, rompê-los?
Anna Haddad é co-fundadora da Próspera Social.