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#4 [vídeo entrevista] Cuidar com amor do corpo que for, com Giovana Camargo

Corpo.

Qual a primeira memória que vem a sua cabeça quando você lê ou ouve a palavra? É uma lembrança boa? Negativa? Opressora ou libertadora?

Para Giovana Camargo, o exercício a transporta quase que instantaneamente para a iniciação na vida sexual, quando teve de ser vista nua e crua. Antes disso, também rememora as primeiras vezes que teve o corpo publicamente exposto:

A memória que me vem à cabeça quando falo em corpo é das primeiras vezes em que eu quis ir à praia e, por algum motivo, não me permiti porque sabia que meu corpo estaria exposto. Então vem uma memória de medo, de um pouco vergonha, de ansiedade.

Quando achamos que nosso corpo não se encaixa, passamos a vê-lo como ineficaz, inadequado, inapropriado. Deixamos de enxergá-lo como um corpo vivo e potente, cheio de potências e virtudes. Endurecemos. Julgamos mais que acolhemos. Perdemos a habilidade de nos olhar com carinho e de cuidar dessa morada que habitamos. Com as pressões externas e os padrões estéticos, olhar para o corpo além da aparência não é, de fato, tarefa fácil.

Mas como podemos, então, nesse cenário por vezes tão violento, afinar os ouvidos para escutar o que há de mais genuíno nas nossas demandas corporais?

A virada de chave para Giovana foi perceber que a obesidade a estava podando sua mobilidade e também a estava privando de experienciar coisas que gostava. Foi assim que, olhando para uma dimensão muito pessoal, decidiu se submeter a uma cirurgia bariátrica. Desde então, aprende diariamente a cuidar de um corpo com o qual está aprendendo a conviver, a lidar e amar.

As mudanças também a despertaram para uma dimensão coletiva: percebeu que quando era obesa, não sabia que o formato de seu corpo era o formato de pessoas gorda — e que não havia nada de errado com isso. À época, achava que seu corpo era deformado. Foi assim que percebeu que nossos referências visuais são escassos, limitantes e tirânicos e que necessitamos urgentemente olhar para a estética de forma mais ampla, abraçando a ampliação dos nossos referentes: “Precisamos ver outros formatos de bucetas, de bundas, de pernas. Precisamos ver cores diferentes, cabelos diferentes. É assim que vamos olhar para novos lugares”.

É possível que encontremos respiros para nutrir o corpo além de padrões e obsessões, em um ritmo e de modos que nos alimentem como um todo?

Faça o exercício: quando você se vê, consegue se olhar com compaixão, mesmo que não ame o que a imagem reflete? Consegue escutar as necessidades reais do seu corpo e encontrar limites individuais ou estaciona no reflexo estético e fica difícil dar o passo seguinte?

Não é de uma hora para outra que iremos abandonar as amarras estéticas que nos foram impostas, verdade seja dita. E tudo bem. Mas há aí uma oportunidade única de ressignificarmos nosso corpo para além das aparências. Um bom começo talvez seja aprender a dizer não para coisas que, antes, fazíamos no automático — e isso envolve situações, lugares e até pessoas. Estou colocando meu corpo em situação de perigo? Quando me auto saboto? De que forma acabo me ferindo? Me mutilando?

A partir daí, vamos reconhecendo nossas limitações mais essenciais. Vamos aprendendo a respeitar o que há de mais precioso nessa jornada: o corpo que nos abriga. Em seguida, seremos capazes de estender esse olhar para as mulheres ao nosso lado — dando suporte para que elas também vejam todas as potencialidades de sua existência.

Não é fácil, mas cuidar do nosso corpo pode desencadear uma revolução, principalmente no que tange os grilhões patriarcais com os quais nos prenderam durante a história da humanidade. Vamos juntas, um ato de amor por vez, rompê-los?


Anna Haddad é co-fundadora da Próspera Social.

Anna Haddad

Anna Haddad é advogada de formação e jornalista de coração. Escreve para vários veículos e no Medium sobre gênero, novos negócios e educação. Acredita no poder das pessoas e em novas estruturas, mais horizontais e humanas. Faz consultorias ligadas a gênero, feminismo, construção de comunidades e negócios colaborativos.