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#1 [texto] Estamos esgotadas. E agora? Uma intro da jornada.

Olhe para os lados. Quantas mulheres ao seu redor adoeceram nos últimos meses? Quantas estão exaustas fisicamente? E cansadas emocionalmente?

No livro Aurora, o Despertar da Mulher Exausta, Marcela Ceribelli, publicitária e criadora do podcast “Bom dia, Obvious", diz:

“A ansiedade mente para a gente. Faz achar que nosso valor está diretamente conectado a conquistas profissionais, faz a gente confundir exaustão com falta de força de vontade. Tortura-nos com a crença de que estamos atrasadas para a nossa idade e até nos leva a sofrer por acreditar que as pessoas que mais amamos não se importam genuinamente com a gente. Mas sua pior mentira é nos convencer de que um erro vai nos definir para toda a vida.”

Mas por que as mulheres estão exaustas? E quais mulheres estão mais exaustas?

Fazer a lista de compras do mercado, marcar consultas para entes da família (e muitas vezes do parceirx) , comparecer à reunião do filho escola, colocar as roupas para lavar, limpar a casa, organizar as contas, cozinhar, trabalhar. A lista de cuidados e afazeres é extensa. Poderíamos dizer que esse é um estresse que atinge toda pessoa adulta, mas na verdade, a sobrecarga é quase sempre feminina. 

Segundo informações do IBGE, em 2022, as mulheres gastaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens com afazeres domésticos ou cuidados com pessoas. São 21,3 horas por semana no caso delas, e somente 11,7 no caso deles. O levantamento revelou ainda que, enquanto 91% das mulheres realizaram alguma atividade relacionada a afazeres domésticos, essa proporção foi de 79% entre os homens. A taxa de realização de afazeres domésticos é maior entre as mulheres negras (92,7%). 

Para iniciar essa conversa, primeiro precisamos entender o que é carga mental. “A carga mental vem do conceito da psicologia mesmo. Quando o indivíduo libera uma energia mental para desenvolver algum tipo de trabalho, o tamanho dessa energia liberada – que são os pensamentos, resoluções, planejamento para se fazer o trabalho, preocupação com o trabalho a ser feito –, isso tudo é transformado numa carga” - explica Cíntia Aleixo, psicóloga especializada em saúde mental feminina. 

Nessa entrevista para a Marcela Ceribelli, a Nana Lima, co-fundadora da Think Olga, ONG de inovação social que promove a equidade de gênero, fala mais sobre a sobrecarga feminina:

Ok, já entendemos que o esgotamento e a sobrecarga é algo compartilhado entre as mulheres. E agora?

Quando surge uma dor, também surge uma resposta do capital para ela. Por isso, a indústria do bem-estar feminino (wellness) se apropriou da palavra autocuidado e fez do termo sinônimo de indulgência e consumo. Produtos e experiências, de máscaras faciais, banhos, velas aromatizadas e spas a programas de alimentação que prometem mudar sua disposição para viver - oferecem sedutoramente uma pausa (ou fuga) da rotina, mas nunca um olhar realmente profundo para o que significa de fato autocuidado para as mulheres.

“Autocuidado aparece, inúmeras vezes, conectado a imagens de mulheres cuidando da aparência, da estética, da beleza e do corpo, com atos que podem ser facilmente entendidos como superficiais e fúteis. Traz junto, também, uma tradução apolítica e excludente da palavra: a ideia de autocuidado difundida hoje está a milhas de distância do contexto feminista, de luta por direitos civis."

- Anna Haddad, em artigo para o Huffington Post

Autocuidado pode sim ser, mas não é, necessariamente, sobre pequenos agrados eventuais, se satisfazer pontualmente ou se dar o que se quer ou merece. Não é auto-indulgência. Também, não é apenas sobre a nossa própria felicidade, ainda que passe por ela.

Por uma perspectiva mais ampla e profunda de desenvolvimento humano, numa dimensão individual, autocuidado é sobre aprendermos a nos cuidar de verdade, identificando nossas necessidades reais e limites individuais enquanto mulheres. Por uma dimensão coletiva, autocuidado reflete diretamente no modo como nos relacionamos com outras mulheres. Cuidar-se tem a ver não só com se prover do que se realmente precisa, ou usar de estruturas disponíveis para isso, como dispor de relações de afeto e apoio. Por fim, autocuidado também tem uma dimensão política: é uma estratégia para encontrarmos caminhos de subverter lógicas de gênero predominantes. Ao nos cuidar, estamos cuidando de corpos que não são vistos, historicamente, como dignos de cuidado. É subversivo, para as mulheres, serem cuidadas ao invés de cuidar.
— Anna Haddad, co-fundadora da Próspera Social

A trilha de autocuidado

Acreditamos que o cuidado conosco mesmas deve ser algo rotineiro — e não uma fuga ou uma pausa de uma rotina que não gostamos.

Essa trilha é para todas as mulheres, porque o autocuidado não faz seleção (ou não deveria), não exclui ninguém, não é algo comprável e também não deve ser uma ferramenta exclusiva para gerenciamento de crise. Pelo contrário, direcionar o cuidado para nós mesmas é uma forma potente de evitar que as crises cheguem — ou, no mínimo, para evitar que sejamos arrastadas por elas.

A nossa jornada

Através dessa plataforma, com acesso por tempo ilimitado, passaremos por quatro dimensões básicas de autocuidado: corpo, mente, trabalho, relações. Para cada um dos enfoques, traremos uma história potente e inspiradora. Além das histórias, também teremos textos e materiais de apoio para que investigue a fundo o que é autocuidado para você, neste momento, em cada uma das dimensões apresentadas.

A ideia é que você percorra essa trilha no seu tempo, da forma que fizer sentido para você. Começamos hoje. Fica aqui o nosso convite para seguirmos juntas. Ninguém solta a mão de ninguém.


Anna Haddad é fundadora e diretora da Próspera Social.  

Anna Haddad

Anna Haddad é advogada de formação e jornalista de coração. Escreve para vários veículos e no Medium sobre gênero, novos negócios e educação. Acredita no poder das pessoas e em novas estruturas, mais horizontais e humanas. Faz consultorias ligadas a gênero, feminismo, construção de comunidades e negócios colaborativos.