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#2 “O que você faz?”: como planejar um ano em que o trabalho trabalhe para você – e não o contrário

Todo final de ano nos fechamos para balanço. É quase impossível fugir desse exercício que fazemos de olhar para trás, de retomar na memória todo o trajeto feito até esse fatídico dezembro em que nos encontramos. Nessa mirada para o que passou, nos angustiamos com o que deu errado e aí lançamos mãos dos desafios pessoais: neste ano que está para nascer, vou fazer diferente. Prometemos. Anotamos. E no próximo dezembro que chegar, olharemos de novo para o que passou e nos angustiaremos mais uma vez pelas promessas quebradas.

Afinal, o que há de tão errado com a gente que não conseguimos cumprir algumas metas que sejam?

Talvez o mais importante seja o fator genérico dessas listas. Adicionamos itens sem saber se fazem sentido para nossa vida, apenas porque ouvimos, lemos e vimos por aí que é o que parece funcionar para a maioria — ou o que gostariam que acreditássemos que funciona.

Exemplos? “Eu 2018 irei emagrecer”, “no ano que se aproxima vou ler mais”, “quero um emprego novo que pague melhor”.

Mas e se você não ligar para padrões estéticos? E se preferir filmes a livros? E se tiver o sonho de largar tudo e passar um ano prestando serviço voluntário pelo mundo?

Vê? Estamos acostumadas a olhar para fora, a esperar estímulos externos que nos digam o que fazer e que nos premiem. Aqui, na Comum, queremos propor o contrário: e se em vez de nos equipararmos com a vida lá fora, a gente fizesse o exercício de olhar para nosso mundo interno? Continuaremos trazendo à mesa assuntos importantes, mas de um outro lugar. Nossa proposta é que partamos de um lugar de contemplação, de um espaço menos ansioso. Em vez de querer sempre mais e mais, vamos deixar florescer o que já temos aqui conosco — e que, pode apostar, não é pouca coisa.

E isso vale para qualquer área da vida, inclusive para aquelas em que as resoluções parecem mais truncadas, menos possíveis de se mexer nas estruturas — como trabalho, carreira profissional e nossas métricas de sucesso.

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Partamos do óbvio: apesar de estudarmos mais que os homens e termos maior nível de instrução, seguimos ganhando salários menores e sendo silenciadas — mesmo quando em cargos de poder. Lembro certa vez de entrevistar uma sommelière renomada e de ouvi-la dizer que precisava mostrar o dobro de trabalho que os homens do setor, para que fosse vista e para que seu trabalho valesse para além de comentários sexistas.

Vivemos pressionadas a fazer mais e melhor. É uma corrida injusta. Maratonamos atrás dessa validação, mas raríssimas vezes paramos para nos perguntar pelo que, afinal, estamos batendo perna. E aí os resultados são assombrosos: desestímulo, cansaço, tédio, estresse, apatia, tristeza, ansiedade, baixa autoestima.

Essa insatisfação pode nascer de muitos lugares. Talvez você deseje mudar o ambiente em que atua, talvez precise buscar caminhos diferentes; quem sabe queira trabalhar em algo com mais propósito ou busque mais autonomia para viver. A lista de motivos são infinitas e só o exercício de silenciar e se olhar com atenção, honestidade e cuidado pode ajudar com que você freie um pouco a caminhada, redirecione a rota — se necessário — e comece a correr menos e caminhar de modo a aproveitar o passeio. O trabalho também precisa trabalhar para você, não o contrário.

Não é preciso jogar a toalha, chutar o pau da barraca e largar tudo para procurar um trabalho que a faça feliz sete dias por semana — porque essa seria mais uma daquelas metas inatingíveis das quais queremos fugir. A vida é feita de gostos e desgostos, e tudo bem. Na prática, isso quer dizer que nem o trabalho nem qualquer outra área será prazerosa em tempo integral. Mas isso não quer dizer que precisemos aceitar uma carreira que nos angustia, um emprego que nos esmorece ou um freela que nos menospreza. Quando estamos alinhadas com o que de fato queremos, é mais fácil de escapar dessas armadilhas e esquivar do maior engano que podemos tomar como verdade: não somos definidas pelo trabalho que fazemos. 

Quando adolescentes, as perguntas que nos direcionam giram em torno do que seremos quando crescer, do que faremos no vestibular, de que forma queremos ganhar a vida. Depois, já crescidas, o papo é direto e reto: a primeira pergunta que nos lançam — e que lançamos para as pessoas — quando conhecemos alguém é o pesaroso "O que você faz?". Somos definidas pela profissão. 

Sou jornalista, mas não é isso que me define. Curiosa desde pequena, também sou inventiva, doce, cuidadosa, devoro livros, adoro viajar. Me apaixonei recentemente pelo bordado e quero voltar a estudar tão logo seja possível. É assim que quero ser definida. Quero, aliás, não ficar presa numa definição. Que eu seja uma folha em branco, na constante impermanência e num espaço frutífero o suficiente que me permita mudar, melhorar, transformar, florescer. Quero, sim, dizer que amo o que faço, mas não quero que isso seja um sobrenome marcado em mim. É o trabalho que trabalha para mim — e não o contrário. 

Não é fácil nadar contra a maré. Mas vale à pena porque nos traz mais satisfação, mais plenitude. Faz com que estejamos mais integradas com o que de fato somos. Quando olhamos para dentro atenciosamente e desvendamos nossas necessidades reais, o trabalho é só uma ferramenta que se manifesta. É para isso que olhamos, aqui na Comum. Vamos juntas? 

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Nossa sugestão de prática

Tome uma hora do seu dia para fazer essa prática sem pressa. Sente em algum lugar confortável, silencioso, algum espaço que você não vá ser interrompida ou que vá se distrair com facilidade. Encare isso como um tempo precioso e benéfico para você. Um momento de autocuidado.

Papel e caneta a mãos, divida a folha em duas colunas. Em uma, anote todas as conquistas e alegrias da sua vida profissional em 2017. Leve um tempo aqui e tente acessar o lugar de contentamento que esses êxitos lhe trouxeram.

Depois, na outra coluna, anote as dificuldades e os fracassos de 2017, em relação ao trabalho. Tente não racionalizar muito, apenas despeje no papel. Estamos acostumadas a pensar antes de escrever ou falar e isso faz com que abafemos alguns sinais sutis que tentamos emitir para nós mesmas.

Agora, olhe para a lista de percalços que você escreveu. E deixe as seguintes perguntas fluírem: me sinto frustrada por isso por que, de fato, acho que falhei ou por que me disseram que falhei? São métricas minhas ou são métricas dos outros?

Vá marcando ao lado as que você considera que partiram de você e risque da lista as que você descobriu que são cobranças externas.

Olhando para as que sobraram, pergunte-se genuinamente: por que fiquei triste ao falhar nisso? O que estou buscando e não estou conseguindo alcançar? Qual necessidade real minha não está sendo atendida aqui? Vá anotando as respostas numa outra folha.

Cruze as respostas e tente achar o que as costura. Por exemplo: estou irritada por não conseguir controlar meu tempo; Quero trabalhar com algo que amo de verdade; Necessito de uma relação mais harmônica entre vida e trabalho; Preciso me reinventar; Quero aprender e descobrir mais; Tenho vontade de deixar um legado.

Não importa se, aos olhos dos outros, essa linha que costura suas necessidades reais é pequena ou grande. O que importa é que faça sentido para você. Tome-a como guia para o ano que se inicia e trace um plano possível de apoio para fazê-la acontecer — de forma benéfica, sustentável e amigável com você. 

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Se você quiser se aprofundar no assunto e mergulhar de cabeça nesse universo vasto e frutífero de mundo interno voltando para trabalho, carreira e profissões, recomendamos o livro Como Encontrar o Trabalho da sua Vida, da coleção da coleção literária da The School of Life. É uma viagem por três elementos básicos que podem tornar o trabalho mais realizador: sentido, fluxo e liberdade. Longe de ser mais um livro pra lista ou de ser aquelas leituras transformadoras: a gente acha que indicações como essa são ferramentas poderosas, mas que o trabalho da transformação só é feito, verdadeiramente, quando a gente põe a mão na massa.

Te espero no fórum para trocarmos impressões, novos caminhos e outros olhares.


Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Na Comum, é editora-chefe, participante e caseira.