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#3 Check in x Check up: um olhar interno para nossa saúde

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Entra ano, sai ano e nossa rotina com a saúde é quase sempre a mesma: ou a gente se entrega, aflita, àquele check up ou a gente está correndo atrás do novo superalimento que promete curar de dor de cabeça à depressão — e ainda ajudar no emagrecimento.

A verdade é que não conhecemos nosso corpo. Para nós, mulheres, talvez o diagnóstico seja ainda mais alarmante: não entendemos dos nossos ciclos. Ficamos à mercê do que dizem médicas e médicos, nutricionistas, pesquisadoras e pesquisadores. E não é que seja ruim ouvir quem estudou sobre o assunto. O problema é que chegamos até elas e eles com pouquíssima propriedade sobre nosso bem-estar.

Lembro-me, certa vez, de ler na internet o relato de uma mãe que dizia que antes de levar sua filha ao hospital por conta de alguma dor ou enfermidade, observava e incentivava a criança a se entender com os próprios sintomas e sensações. Durante dois dias, fazia perguntas simples como “de zero a 10, qual o estágio do seu mal-estar?” ou “Em qual parte do corpo o desconforto é maior?”. Fiquei atônita ao perceber que, apesar de serem questionamentos triviais, eu mesma, aos 28 anos, não os responderia sem me esforçar um tanto. Estava desconectada do meu próprio corpo.

A cada réveillon, prometemos comer menos e melhor, se exercitar mais, largar vícios. Passamos um ano esquecendo o combinado para, no próximo dezembro, experimentarmos a frustração de não ter dado conta do jeito que gostaríamos. O problema não são as metas em si, mas a falta de intimidade que temos conosco mesmas. Nesse conteúdo de final de ano, aqui na Comum, estamos tentando olhar para esse ciclo de um lugar mais compassivo e contemplativo. A medicina e todas as suas descobertas devem fazer parte disso, claro, mas devemos tomar o protagonismo dos nossos corpos, entendê-los, conhecê-los para que estejamos minimamente empoderadas a respeito da nossa saúde e do nosso bem viver.

Me cansei de lero-lero

Dá licença, mas eu vou sair do sério

Quero mais saúde

Me cansei de escutar opiniões

De como ter um mundo melhor

Rita Lee, subvertendo a lógica do check up já em 1981

2017, para mim, foi um ano de desmedicalização da vida. Usava DIU há onze meses e, escutando meu corpo e os sinais que ele emitia depois de uma adaptação sofrida, resolvi tirá-lo. Foi uma peregrinação por quatro ginecologistas até encontrar o Coletivo feminista — sexualidade e saúde e uma médica que respeitasse meus processos e minha opinião. Ao ser atendida, já bem acostumada com procedimentos médicos, pedi requisição para uma bateria de exames. Ela me perguntou se eu estava com algum sintoma, se queria investigar algo, se apresentava algum tipo de desconforto. Eu disse que não, mas que achava melhor prevenir do que remediar. Ela, firme, comentou que não aconselhava exames de rotina, assim, sem que houvesse necessidade ou desconfianças. Explicou que a vida tem seus métodos de se manter e de nos avisar quando algo começa a sair dos trilhos. Dei uma olhada para meu histórico médico e pude ratificar o que ela estava dizendo: de fato, todas as vezes em que tive algum problema, meu corpo não tardou a emitir sinais de alerta.

Continuo confiante na medicina, mas também comecei a confiar mais em mim mesma. Isso me fez mais atenta. Se estou com dor de cabeça, repasso meu roteiro para entender de onde ela vem: tomei café demais? Fiquei ansiosa ou estressada? Estou muito tempo sem meus óculos? Diagnóstico feito, parto para as soluções. Também abro espaço para quem entende do assunto como uma cuidadora de mão cheia: minha mãe. Ela, que tem sempre uma receita caseira, um poção mágica para os desconfortos corriqueiros. Se persistir, aí sim procuro ajuda de especialistas.

Mais consciente, sei que a saúde abarca todos os aspectos da nossa vida — alimentação, educação, habitação, trabalho, atividade física, o lado emocional —, e que meu corpo reage a uma série de interligações e interdependências. Só consigo ouvi-lo se estiver quieta, presente. Também tomei conhecimento dos meus ciclos. Fui atrás de entender mais sobre a ginecologia natural e o sagrado feminino e comecei a perceber, por exemplo, que fico mais disposta nas fases pré-ovulatória e ovulatória. Também descobri que praticar atividades em que expresso minha criatividade — como bordar, pintar e escrever — ajudam a canalizar uma energia mais benéfica em vez da irritação que a TPM me traz mensalmente.

Fazer check in requer mais dedicação do que uma vez por ano ceder às agulhas do check up, é verdade. Olhar para dentro pede tempo, pede entrega, dedicação e paciência. Em contrapartida, o processo devolve autonomia, autoconhecimento, um controle maior desse corpo que a gente habita. Vamos experimentar juntas?

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Nossa sugestão de prática

Diferente das outras práticas já sugeridas aqui no conteúdo especial da Virada, essa irá demandar mais tempo. A ideia é que façamos um relatório diário, durante 30 dias, sobre nossas sensações. Vamos apurar os sentidos e criar intimidade com o nosso corpo. A proposta é uma atenção diária para nosso bem-estar, respeitando nossos ciclos e vividos, em vez de uma preocupação aflita, que nos acomete uma vez ao ano, toda vez que temos de fazer os exames de rotina.

Recomendamos que você tenha um caderninho especialmente dedicado para a prática e que sempre ao final do dia sente-se, por dez minutos que seja, para fazer esse check in.

1. Sentimentos

Pergunte-se quais sentimentos regeram o seu dia. Você esteve aflita? Culpada? Tranquila? Ansiosa? Triste ou irritadiça? Alegre? Não precisa descrevê-los ou justificá-los. Basta apontá-los no diário.

2. Sensações

Em seguida, tente se lembrar de como seu corpo reagiu durante o dia que passou. Você sentiu uma rigidez maior dos músculos? Seu corpo estava tenso? Relaxado demais? Estava disposta ou cansada? Anote-os.

3. Reações

Você consegue interligar alguma reação do seu dia — independente se você as considerar positivas ou negativas — com esses sentimentos e sensações? Por exemplo: reagi com agressividade porque estava estressada; Não consegui dar conta de todas as minhas tarefas porque me senti muito cansada; Numa situação de estresse, consegui manter minha mente calma e meu corpo relaxado.

4. Sinais

Tente se lembrar de sensações físicas do seu corpo: dores de cabeça, alguma tensão específica no corpo, gastrite, taquicardia. Caso você não tenha experienciado sinais desse tipo e tenha vivenciado traços de bem-estar, também anote.

Repita o processo durante trinta dias. Ao final, cruze os dias do mês com seus ciclos mentruais  — contemplando as fases pré-ovulatória, ovulatória, pré-menstruação e menstruação. Você irá observar alguns padrões. Aconselhamos que para o processo ser mais fidedigno, você siga com a prática por, no mínimo, três meses. É uma forma de nos aprofundarmos na relação com a nossa saúde. Estaremos mais aptas para, assim, observar outros fenômenos, entender outros sintomas. É um começo — porque a jornada dura uma vida inteira, e vale a pena.

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Para quem quer se aprofundar no assunto, recomendamos o livro Cure seu corpo A-Z — que traz um olhar mais holístico para nosso bem viver. Na obra, Louse L. Hay analisa por uma ótica diferente enfermidades bem conhecidas. A autora acredita que os males físicos estão diretamente ligados aos nossos pensamentos. A cura, portanto, também passa por internalizar bem-estar, saúde e melhorar o aspecto físico.


Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Na Comum, é editora-chefe, participante e caseira.