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#3 O poder das celebrações

A gente não costuma celebrar.

A não ser as celebrações tradicionais e marcadas socialmente - e que acabam virando também metas: casamento, por exemplo (no mais das vezes, se transforma num pesadelo de tarefas sem fim pra noiva). Aí tem Natal. Ano novo. Aniversários. Happy hour da firma.

Se não são essas, a gente não celebra.

A gente recebe as notícias, e ou se crítica, pensa que poderia ser melhor, ou dá de ombros e já emenda numa outra meta.

Isso faz parte de um modelo mental ocidental, construído com anos e anos de história. Foi o que aprendemos a fazer: dissociar prazer e celebração de labor, de conquistas.

"Acreditar no prazer é subverter normas e crenças tão profundas que fazem parte até da nossa linguagem.
Acreditar novamente no prazer, depois de todos esses séculos, é uma jornada que pode começar, para aqueles que estão mais alienados disso, com a consciência, preenchimento deliberado ou qualquer prazeres triviais ligados à satisfação de desejos cada vez mais profundos. É por um bom motivo que o hedonismo sempre carregou um ar subversivo. Escolher o prazer, ainda que seja o mais superficial, e abraçar e celebrar essa escolha, é movimentar um processo que inverte a história do mundo."

 

Charles Eiseistein, Pleasure -

As celebrações, as festas - o prazer - são potentes. Marcam ciclos, encerram fases, decantam momentos. Do contrário do que fomos ensinadas, não são sinônimo de superficialidade, hedonismo barato, improdutividade e fraqueza. Os rituais são símbolos de força, de conexão e troca entre as pessoas, de criação e latência.

"O mundo mais bonito que meu coração conhece possível é um mundo com muito mais prazer: mais toque, muito mais amor, mais abraço, mais olhares profundos entre as pessoas, mais tortas frescas, tomates recém colhidos ainda quentes do sol, cantorias, danças, tarefas sem prazo (...).
Nenhum desses prazeres está distante. Nenhum exige nenhuma nova invenção, nem que muitos se submetam a poucos. Ainda, a nossa sociedade acaba com eles todos. Nossa chamada riqueza é um véu para nossa pobreza, um substituto para todos esses prazeres que faltam. Porque ela não consegue nos dar essas necessidades verdadeiras, então se torna um substituto viciante. E nenhum valor vai ser suficiente nunca."
- Charles Eiseistein, Pleasure -

Por isso, pra tocar essa possibilidade de incluir pequenas celebrações, pequenos prazeres fora do calendário, na nossa vida, no nosso dia a dia, esse texto é pra te dizer pra celebrar. O ano que passou, as conquistas de 2016, as pessoas bonitas que você tem a sua volta e que te deram suporte pra enfrentar barras pesadas, sua casa, sua família, qualquer coisa. Tenho certeza que, como eu, existe aí bons motivos pra serem celebrados.

O primeiro de todos: estamos vivas. 

Então, encontre o seu modo. Sozinha em casa com uma taça de vinho e seu gato, dançando na frente do espelho, com amigas num bar, com o companheiro num jantar preparado por vocês, com os parentes - não importa. Que seja uma celebração intencionada, sem data marcada, que encerre um ciclo e abra um baita espaço no peito pra mais coisa bonita que está por vir.

Seguimos.


Anna Haddad é fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunicação, comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.