`

30 homens tomaram o corpo de uma de nós. Tomaremos suas almas.

Meu corpo treme. Minha respiração se torna mais rápida. Meu coração pulsa com força. Tão rápido que escuto os batimentos em meu ouvido. A visão fica turva. As pernas bambas. Não aconteceu nada comigo, mas com ela, uma mulher desconhecida, mas que está ligada a mim assim como estou ligada a você: por sermos mulheres.

Meus medos se realizaram no corpo de outra pessoa. Tudo aquilo que poderia me aterrorizar em pesadelos sem fim se tornou realidade, tomou vida. E tudo isso que sinto agora, esse conjunto de maneiras do meu corpo dizer que estou em perigo, é o que ela vai sentir todos os dias daqui pra frente.

Quantas vezes, quando jovem, não dormi na casa do namorado? Eu sempre acordei segura. Ela acordou e estava vivendo seu pior pesadelo. Sua vida não era mais dela. Seu corpo não era mais dela. Nada ali fazia sentido. Corpos, risos, o poder embriagando aqueles homens. Pessoas criminosas. Pessoas frias. Pessoas que acreditavam que podiam fazer aquilo.

Estupro corretivo. Eles queriam dar um recado. Ela gostava de sexo. Não devia. Ela gostava de homens. Não devia. Ela era feliz. Não devia. Era desejável. Não devia. Ela existia de uma forma que eles não aprovavam. Como se a eles competisse essa permissão.

Somos a Índia. Somos o Oriente Médio. Somos a barbárie. Somos corpos sem vida vagando com medo. Medo de olhar para trás e ver quem caminha tão perto de nós. Medo de virar a esquina. Medo de chegar em casa. Medo de sair de casa. Medo de quem nos ama. Medo de quem nem sabe da nossa existência. Somos o alvo.

Alguns dias antes outra mulher quase foi morta por um homem que se dizia fã. Ele a admirava, então atirou nela. Não faz sentido. Não podemos mais sentir. Nada parece seguro. Nem amar. Porque o que é amor para nós não é para eles.

Amor não dói. Amor não mata. Amor não machuca. Amor não nos deixa inseguras. Amor não nos prende. Amor não nos diz como devemos agir ou cria condicionais para que continue existindo. Amor não viola nossa dignidade. Nem física nem emocional. Amor não é isso. Tudo o que eles chamam de amor é poder.

E por poder, mais de 30 homens deitaram-se sobre ela. Mesmo desacordada. Mesmo sangrando. Mesmo doendo. Mesmo sem vida. Mesmo sem alma. Deitaram-se sobre ela porque acreditaram que tinham o direito disso. Um homem havia oferecido aquele corpo a eles. Eles podiam. Mereciam. Eram homens.

Guardem suas lanças, suas espadas, sua inclinação para a guerra e a violência. Seguimos em frente tremendo, em pranto, de mãos dadas. Porque somos fortes assim. Não somos apenas 30, somos milhares. E o ódio pulsa em nossos corpos e vibra em nossas mãos quando se tocam.

Meu corpo treme. Minha respiração se torna mais rápida. Meu coração pulsa com força. Tão rápido que escuto os batimentos em meu ouvido. Escuto o som do ódio, da raiva. A energia pulsante que não nos permite parar. Somos fortes lado a lado. Vibrações, cantos silenciosos entoando em nossos ouvidos. A fogueira queima e cada passo em falso é mais combustível. Nossas feras acordaram. Preparem-se.