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Quando alguém vira um gatilho

Desenvolver nossa autoestima é tarefa difícil em uma sociedade que faz o possível para miná-la. Em todos os lados, especialmente quando se é mulher, ter confiança em si mesma é, além de ameaça para todos ao redor, uma forma de revolução e sua principal arma de guerra.

Nas mais diversas fases e nos melhores acontecimentos da sua vida, a sensação de que haverá alguém que fará com que você pense que não merece se sentir como se sente é intensa. Se for alguma dificuldade, alguém vai menosprezar seu sofrimento e dizer que você não tem o direito de sentir assim. Se for alguma comemoração, alguém vai menosprezar sua vitória e te fazer acreditar que aquilo não é grande coisa.

Essas pessoas existem. Elas não são apenas o colega do trabalho, da faculdade ou o tio mala da sua família. De vez em quando elas são parte constante da sua vida, são suas melhores amigas, são seu/sua namorado(a), são os parentes que você mais gosta.

Quando ainda estamos num processo de amadurecimento, de descoberta e de construção da autoestima, quando ainda estamos aprendendo a nos amar e nos empoderar, acabamos ficando mais vulneráveis a esse tipo de comportamento alheio. Estamos seguindo nosso caminho e, de repente, sentimos como se alguém nos jogasse quilos e quilos de culpa nos ombros - e dificultasse mais nosso trajeto.

Nas relações amorosas, muitas vezes, essas atitudes desencadeiam um relacionamento abusivo e tem se tornado mais fácil discutir sobre isso. Identificar atitudes abusivas e tóxicas em amigos, no entanto, é quase inadmissível. Nossas amigas só querem o nosso bem, certo?

Errado. Não acredito em questionar os motivos de alguém fazer seja lá o que for, mas acredito em colocar como nos sentimos acima de tudo isso.

Ter por perto “amigos” que estão sempre diminuindo o que você sente, que estão sempre diminuindo sua aparência, que sempre se metem no seu relacionamento ou que dão palpites sem você pedir é permitir que alguém sabote sua autoestima e, talvez, se torne um gatilho. Se um amigo faz questão de lembrá-la o quanto ele é melhor que você ou declarar que você “nunca consegue alcançar nada”, se um amigo usa a máxima “sou sincero e foda-se”, sem lembrar que sinceridade é diferente de grosseria, se um amigo sempre dá um jeito para inserir uma crítica no seu dia-a-dia, especialmente as que surgem do nada, cuidado: você precisa terminar essa amizade.

Já vivi situações em que pessoas que eu considerava grandes amigas se tornaram gatilhos ao ponto de eu precisar lidar com isso até hoje, anos depois. Basta um movimento para que uma crise de ansiedade se instaure e tudo que eu tinha construído para mim desapareça no ar. E tudo isso porque um dia permiti que os comentários sobre eu não ser boa o bastante para alguém ou sobre as questões trabalhistas que me emputeciam na agência eram comuns e “pare de sofrer por isso, que bobagem, você reclama de boca cheia” criassem raízes dentro de mim.

É claro que criar consciência sobre isso não é fácil.

A gente tem sempre a ideia de que amizade tem que ser pra sempre, de que é errado se afastar de alguém, de que a gente precisa aceitar, de que a tempestade é nossa. É inaceitável se afastar de alguém “sem razão”, é inaceitável querer um tempo de “uma amizade tão boa, que pessoa tão boazinha”.

Acontece que permitir que estejam na sua vida pessoas que não te deixam feliz e não te apoiam genuinamente (e não falamos aqui sobre passar a mão na cabeça quando cometemos erros) é trilhar um caminho de peso, de culpa, de angústias e, muitas vezes, de solidão. Se forçar a aceitar veneno ou a moldar-se a alguém é se distanciar ainda mais da pessoa incrível que podemos ser. E é, eventualmente, ter gatilhos por um bom tempo da vida, sem saber como lidaremos com eles.

Ninguém é obrigado a abrir as portas (de casa, da vida) para nada que te diminua. Nunca aceite ter qualquer tipo de relação com alguém que te faça sentir menos do que ótima. Termine amizades, termine ciclos. Vamos aprender juntas que merecemos viver mais leve e viver com quem queremos por bem. Podemos e precisamos ter sororidade umas pelas outras, mas precisamos ter amor por nós mesmas antes.


Franciellen Carneiro, 22 anos, Jacareí. Feminista. Jornalista que quer viver de escrever e conquistar o mundo. Meu Palanque | Twitter