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Se isso é ser chata, eu sou

Acabo de sair de uma palestra sobre língua inglesa. Eu adorei o conteúdo, uma hora muito produtiva para meu parco inglês que venho tentando aprimorar. Sentir que a gente aprendeu é delicioso. Mas eu não estava feliz. O professor, um rapaz muito gentil, mencionou, no início da palestra, que, em inglês, precisamos ser linguisticamente mais cordiais na redação de email, ou um americano poderia, por exemplo, se ofender. Especialmente uma mulher.

Ele explicou, com muita perspicácia, a diferença entre question e doubt, mencionando que doubt geralmente é uma dúvida mais reflexiva, algo como “casar ou comprar uma bicicleta” (dúvidas que, de acordo com ele, só homens têm).

Fiquei irritada e pessoalmente ofendida – especialmente pelo meu colega lateral que ria alto, quase gritando na minha orelha – com esses comentários. Eu poderia ficar quieta, mas não fiquei. Mencionei que isso me incomodou e que prejudicou minha percepção da aula.

Adivinhem? “Era só brincadeira”.

Esse caso, tão trivial, me deixou insegura. Senti, por um instante, que não era mais bem quista ali. Tenho sentido, aliás, com frequência. Risadas se diluem quando eu chego. Colegas deixam de comentar o que comentavam. Não brincam mais comigo. Namorados sugerem às namoradas (minhas amigas) que eu sou má influência. Alguns (supostos) amigos têm me evitado. Eu atrapalho discussões. Eu não rio das piadas.

Sou chata.

Mas chata mesmo.

Chata a ponto de fazer cara de merda para a piada.

Por muito tempo na minha vida eu não quis ser chata. Eu quis agradar. Ainda que o meu jeito sincero de ser atrapalhe, sempre estive em locais onde fui querida.

Quando era querida, me calei porque um chefe disse que “mulher não entende nada mesmo”. 

Quando era querida, um colega de trabalho tentou me beijar e eu não contei pra ninguém.

Quando eu era querida, sorria amareladamente para as mulheres que diziam que feminista é tudo baranga. Quando eu ainda não era um problema social, eu achava graça. Quando eu era querida, eu competia com outras mulheres.

Hoje sou chata. Desmancha-roda. Estraga-prazeres. Cuzona. Azeda. Recalcada. Preencha com o que você quiser.

E hoje eu agrado só a quem dorme comigo todos os dias – a minha consciência.

E se quer saber se eu tenho medo da solidão, te digo: somos milhões de chatos e chatas. E seremos cada vez mais.


Texto publicado originalmente no site da autora.


Marcella Rosa é professora, em todos os minutos do seu dia. Sem a escrita e sem a sala de aula, nada faz sentido. Tudo que mais ama vem das trocas: de ideias, de experiências, de carinho. Feminista, apaixonada por literatura, filosofia e café. Você a encontra no site e no Facebook.

Marcella Rosa

Marcella Rosa é professora, em todos os minutos do seu dia. Sem a escrita e sem a sala de aula, nada faz sentido. Tudo que mais ama vem das trocas: de ideias, de experiências, de carinho. Feminista, apaixonada por literatura, filosofia e café.