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#2 O que você aprendeu sobre seu corpo em cada fase da infância e qual o impacto disso hoje em dia?

Tudo o que aprendemos tem impacto nas pessoas que somos hoje. Nossa construção emocional, nossa psique, nossas relações. Todas elas têm como base a maneira que nos guiaram na construção do nosso “eu”. Não importa apenas o que você viveu, mas como isso foi vivido. Com a sexualidade não seria diferente.

“Conforme esse corpo vai sendo descoberto e estimulado, a psique infantil também vai se relacionando com essas todas as sensações de prazer, desprazer e seus desdobramentos. Aqui, é importantíssima a maneira utilizada pelos adultos ao redor da criança para ajudar a lidar com essa erotização, já que psique e corpo vão criar mutuamente significados e sentidos para essas experiências e isso vai determinando parcialmente a relação que se estabelece com a sexualidade”, Renata Pazos

A gente nem se dá conta, mas tem coisas que hoje são travas ou prazeres imensos e que têm como raízes a maneira que nos relacionamos com o nosso corpo lá no passado, onde nossa memória consciente talvez nem consiga chegar sem se esforçar muito. Renata explica que já nesse começo da vida é possível perceber o controle dos corpos femininos:

“As meninas são ensinadas a fechar a perna, a se esconder e se comportarem de uma maneira mais contida. Principalmente em relação à masturbação, as meninas começam a sofrer com a repressão de forma muito mais repressora. Do ponto de vista do corpo, as relações de restrição e opressão vão sendo registradas e ele vai ficando mais fechado, limitado, rígido”

Nossos corpos endurecem quando deveriam florescer. A explicação para esse acontecimento é a construção social, como explica esse trecho de Trindade e Ferreira (2008) presente no livro #meuamigosecreto:

"Conforme crescem, essas crianças aprendem que a masculinidade está relacionada ao controle das emoções, a racionalidade, força, agressividade, lógica, independência e dominação. Ao passo que o doméstico, emoção, fragilidade, irracionalidade, inocência, submissão, fraqueza e dependência fazem parte do domínio feminino. Sendo assim, graças a uma socialização extremamente sexista, que reforça uma dicotomia na qual o masculino representa o ativo e o feminino, o passivo, tanto meninos quanto meninas encaram a sexualidade como algo próprio do domínio masculino. Para as meninas, a construção da feminilidade está diretamente vinculada à negação de seu corpo e da sua sexualidade"

E se a sociedade nos diz que não devemos fazer algo, nós acreditamos. Levamos isso para a vida até o momento em que conseguimos nos fortalecer para questionar. Mas nem sempre a forma que usamos para esse questionamento é a melhor. Renata explica:

“Nesse momento [da adolescência] em que as relações são mais coletivas, é possível perceber alguns papéis que vão se desenvolvendo. Surge uma diferença entre meninas com corpos mais desenvolvidos, ou que se percebem sexualizadas, e atuam isso nas relações (isso pode aparecer nas roupas por exemplo), e as meninas ainda mais 'infantis', com corpos menos explorados e mais reprimidos – essas acabam muitas vezes excluídas. Assim, mais indiretamente, entre as próprias meninas, mas também na relação dos meninos com elas, começa a cisão entre esses dois modos de ser mulher”

Nossa relação com a sexualidade se pauta pelo outro. Como eu deveria agir para ser aceita? O que pode e não pode em relação ao outro? Como agradar? Vemos isso, inclusive, sendo pautado para mulheres adultas em revistas femininas. O sexo nunca é sobre a mulher, mas sobre o que a mulher pode proporcionar – e obter em troca – por meio dele.

É nesse ponto que nos encontramos hoje: o de questionar toda essa construção, olhar para trás e entender como tudo isso moldou a pessoa que somos hoje. Amanhã tem exercício para que a gente consiga entender esse percurso, mas por hoje já dá pra começar uma arqueologia interna e tentar buscar informações com quem nos guiou durante a criação do nosso conceito único de prazer.


Todas as nossas experiências, dúvidas e angústias estão sendo compartilhadas no fórum - Trilha #2: Sexualidade | Olhando pra construções internas profundas - e assim, juntas, deixamos esse caminho mais fácil.


Carol Patrocinio é jornalista e divide seu tempo entre escrever para diversas publicações sobre assuntos relacionados ao mundo feminino e ao feminismo, como o Ondda, seu canal no Medium e consultorias para negócios que querem falar com as mulheres.