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#4 Que mulher que você enxerga quando se olha no espelho?

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Ao falar de construção da sexualidade, estamos nos referindo às diversas maneiras de compreender e internalizar, antes de mais nada, o que é ser mulher.

Pra isso, precisamos considerar vários fatores, ligados a mundo interno, ao entorno no qual nos desenvolvemos, referências que tomamos pra nós e também o contexto social em que estamos inseridas: a sociedade machista e patriarcal da qual fazemos parte, já que é na interação com o mundo que a psique cria realidade.

Do ponto de vista psicológico, as referências simbólicas e coletivas desempenham um papel importante no modo como um tema é elaborado por cada indivíduo. Podemos descrever como uma espécie de "molde" que vai sendo preenchido e adquirindo significados particulares e individuais de acordo com cada pessoa.

Além de considerarmos o ponto de vista coletivo nesse processo, as relações mais próximas também delimitam uma referência importante na elaboração psíquica pessoal. No que diz respeito à sexualidade, é preciso trazer à tona a auto-imagem e a construção da imagem de mulher.

Geralmente é na relação entre mãe e filha que surge o primeiro contato com o corpo de uma outra mulher e também a referência de mulher.

A mãe (ou a  mulher mais próxima) vai influenciar na apropriação do que é particular de uma experiência feminina. Se a mãe ou essa pessoa de referência for uma mulher com uma relação positiva com o  próprio corpo, desejo e, claro, a própria sexualidade, naturalmente isso vai dar mais segurança pra tratar de todas as questões que vêm associadas: menstruação, masturbação, prazer, desejo, erotismo, gravidez, maternidade, orientação sexual, entre outras várias coisas.

É também nessa relação que surge um campo vasto de significados pra ambos os lados, incluindo a filha que olha para a mãe como referência e a mãe que olha para a filha como a mulher que ela já foi, ou poderia ter sido.

É um espectro amplo que abarca o que é ser mulher e o que isso traz de responsabilidades, possibilidades e também como isso é marcado no corpo.


Sugestão de prática

Então, sugiro aqui uma prática bem densa e importante pra fazermos juntas. Pense sobre, escreva num papel (ou desenhe) as seguintes coisas:

1. Enquanto você crescia, como era a sua casa e a sua família?

2. Quais referências femininas você tinha como principais? Quem admirava?

3. Como era a relação delas (da sua mãe, principalmente, se essa era a sua primeira referência) com questões femininas, com o próprio corpo, com a sexualidade e relações?

4. Qual era o contexto social dominante no seu núcleo familiar? Machista e repressor? Ou liberal e acolhedor?

5. Como você acha que tudo isso moldou sua noção de mulher? Que símbolos você traz com você sobre ser mulher?

A ideia é a gente tentar lembrar das nossas referências e fatores de influência na nossa construção do feminino.

Eu, por exemplo, lembro de perceber que minha mãe - carinhosa, dedicada à família, do lar, submissa - era minha maior referência de mulher. Ao mesmo tempo, via como o entorno todo (meu pai, parentes, amigos, a sociedade como um todo) desvalorizava ela, tratava tudo o que ela era e o que fazia como algo pequeno e menor. Esse foi um ponto importante de descoberta pra mim nessa prática.

Então, depois que refletir (e tudo bem se levar um tempo, é intenso mesmo), e escrever/desenhar, vai lá no fórum e compartilha com as outras minas (caso se sinta à vontade, claro).


Nesse sentido, quando falamos de referências do que é ser mulher, inúmeros aspectos internos vêm à tona, sendo que um, em especial, é frequente: as mulheres muitas vezes de maneira inconsciente sentem que precisam se superar.  Nos grupos de mulheres surgem competição entre elas mesmas, críticas e um olhar extremamente rígido frente às outras e a elas próprias. Falamos bastante sobre isso na trilha passada, sobre autocompaixão, mas com um recorte diferente, mais sutil e individual, de mundo interno.

Agora, durante essa trilha de sexualidade, vamos olhar pra essa questão, de construção do nosso feminino simbólico, com outro viés. Vamos entender como é relevante que, cada vez mais, a gente possa romper com o machismo inconsciente que carregamos e atualizamos nas nossas vidas, nos nossos próprios corpos e relações.

Mulheres que se admiram, se ajudam e se compreendem verdadeiramente vão se tornando e se percebendo como mulheres reais, mulheres possíveis que, assim, rompem com o padrão enraizado de mulheres que precisam se odiar e competir entre si pelo "macho alfa".

Essas são as mulheres que ressignificam a experiência do próprio corpo com afeto, cuidado, valor e que transformam e vivem a sexualidade como um processo de descoberta de satisfação própria e realização.

Vamos juntas olhar pro que realmente interessa. E esse é um movimento cíclico, de dentro pra fora, de fora pra dentro.

Seguimos. 


Todas as nossas experiências, dúvidas e angústias estão sendo compartilhadas no fórum - Trilha #2: Sexualidade | Olhando pra construções internas profundas - e assim, juntas, deixamos esse caminho mais fácil.


Anna Haddad é fundadora da Comum. Escreve pra vários veículos sobre educação, colaboração, novos negócios e gênero, e dá consultorias ligadas à comunidades digitais e conteúdo direcionado pra mulheres.

Renata Pazos é psicóloga junguiana com especialização em abordagem corporal, atua na área clínica há alguns anos trabalhando com a relação entre mente e corpo através da calatonia e dos toques sutis. Feminista em (constante) construção, vem dedicando-se a buscar novas formas de atuação terapêutica a partir de um olhar feminista para a Psicologia e psicoterapia. Tem como foco o trabalho com as mulheres e também o público LGBT.