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#22 Para além das receitas prontas: uma jornada (política) de autoconhecimento

Imagem: Rituals, de Laura Berger

Imagem: Rituals, de Laura Berger

Estamos, há quase 2 meses, olhando para a nossa saúde, pelos mais diversos recortes.

Olhamos para a história que nos trouxe até aqui, geramos lastro. Começamos a trucar um velho conceito de saúde que nos torna coadjuvantes dos nossos próprios corpos e mentes, e que já não nos serve mais. Visitamos multiplicidade de olhares, pluralidade de vozes, novas abordagens que estão surgindo por aí. Também, alcançamos ferramentas práticas para o dia a dia, referências de aprofundamento, redes de apoio e acolhimento.

Enveredamos por um caminho sem volta: aquele em que a nossa saúde é nossa, em primeiro lugar.

Ao contemplar essa frase, que soa quase como um grande insight, uma novidade brilhante para muitas de nós, brota também uma curiosidade bonita pela jornada e tudo o que podemos explorar dentro dela. Esse é o ponto alto dessa trilha: a revelação de autonomia vem junto com um despertar vivaz, quase infantil, de quem descobre um novo universo cheio de possibilidades.

Mergulhar na alimentação como cuidado e cura, aprender o auto-toque e auto-massagem como ferramenta de auto-conhecimento e autocuidado, focar na terra e nas plantas e ervas para mudar a nossa relação com o tempo das coisas, com o que consumimos e com os medicamentos que tomamos, refletir sobre nossos sintomas de forma integral — corpo, mente e emoções como uma coisa só — que reverbera de maneira inteligente, como um sistema vivo e pulsante. Visitamos todos esses lugares nessa trilha, e foi só o começo.

Mas para além dos conhecimentos objetivos, úteis e reveladores, o que não podemos soltar é a força que vem de nos vermos mineradoras de pedras preciosas em uma paisagem infinita. O poder de nos descobrirmos protagonistas do nosso processo, e a curiosidade de entender e dominar informações importantes para nossa própria vida, nosso bem estar e nosso desenvolvimento.

Cada uma de nós vai seguir na sua própria caminhada, ora sozinha, ora junto com outras mulheres, respeitando seu próprio tempo, seus interesses e sua bioindividualidade. Os achados no meio do caminho, seguimos compartilhando sempre, em um apoio mútuo que não tem fim. É para isso que a Comum existe.

Damos o pontapé e o suporte: o conteúdo rico dessa jornada segue sempre aqui, para visitarmos o quanto quisermos, a hora que quisermos, e o espaço de troca segue sempre vivo, virtualmente, no fórum e nos papos online, ou presencialmente, nas oficinas e encontros de comunidade. Mas, o mapa da rota é cada uma de nós que desenha.

Saúde para todas

Nesse nosso caminho solo, é  importante nos lembrarmos, sempre, que se empoderar dos próprios processos de saúde tem a ver, diretamente, com uma perspectiva ampla de gênero, em todas as suas interseccionalidades: a nossa saúde é, o tempo todo, de formas mais diretas ou mais sutis, afetada por questões de desigualdade e pelos papéis que desempenhamos socialmente.

Enquanto a saúde do homem também se vê afetada por diversos fatores, a da mulher deve ser tratada de maneira diferente. De maneira geral, as mulheres têm menos poder e recursos, ocupam um nível hierárquico mais baixo que o do homem na família e na comunidade. Como resultado dessa desigualdade, muitas mulheres vivem em extrema pobreza, não têm acesso à educação e à capacitação necessárias para que ascendam na vida, e carecem de acesso à informação e serviços médicos importantes: ou seja, mais mulheres carecem de controle sobre as decisões básicas que afetam sua saúde.
— Tradução livre de trecho do livro: Donde no hay doctor para mujeres: una guía a la salud para mujeres.

Se olharmos para o tema de forma mais politizada — e para além de nós mesmas — fica mais fácil de ver que para que possamos cuidar da saúde das mulheres, precisamos poder contar com um sistema de saúde e com profissionais de saúde que nos representem e nos cuidem, mas precisamos também mudar as condições em que muitas de nós vivem. Só assim poderemos, todas (e não só uma parcela de nós), exercer mais autonomia sobre a nossa saúde.

Precisamos gerar a capacidade de nos enxergar merecedoras de cuidados, encarando séculos de história que nos colocou apenas em posição de cuidar. Precisamos também, ao mesmo tempo, resgatar a potência e a sabedoria que temos de, por vezes, cuidar de nós mesmas, sem precisar terceirizar a nossa saúde para alguém que — um dia disseram — é detentor de todo o conhecimento do mundo.

Se tivermos o cuidado de lançar um olhar amplo e interseccional sobre o tema, vemos: nada disso está separado. Tudo se conecta, vem junto, em um pacote.

Transformar a nossa percepção sobre o tema da saúde e abrir portas para uma jornada de protagonismo e autocuidado é revolucionário, mas só se os nossos olhos alcançam, ainda que de longe, a história de todas nós. Como se cada uma em um ponto do globo, cuidando de si, e, de binóculos de longo alcance, olhando também para as outras ao redor.

Seguimos juntas. Aqui na Comum, com um papo online incrível sobre a saúde da nossa vagina com a Ellen Flamboyant, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, no dia 24 de maio, próxima quarta. Coloca na agenda. Além desse, teremos outros papos virtuais e oficinas presenciais para completar a nossa trilha.

Fica por perto.



Anna Haddad é fundadora da Comum. Trabalha com projetos que envolvem gênero e educação, principalmente no campo social, e escreve sobre o assunto por aí.


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