`

#21: Tomando as rédeas do seu corpo

Na sociedade ocidental, como já falamos, a sexualidade da mulher foi historicamente relatada a partir da sexualidade do homem e em função da mesma. Esse “poder” masculino aparece nas teorias psicológicas desde Freud, constrói sua fala sobre a psique humana e norteia algumas práticas até os dias atuais.

Como afirma a autora Junguiana Esther Harding (2002), apesar do pensamento Freudiano ser revolucionário e importante para transportar a sexualidade para o domínio mais consciente, ele também falava do lugar de um homem, europeu, rico, branco, cisgênero e heterossexual imerso nos conceitos patriarcais predominantes da época. É preciso romper com essa "verdade" que ecoa até hoje questionando essas teorias baseadas na compreensão masculina da sexualidade feminina. Alguns de nós sequer nos demos conta de que é preciso rever essas maneiras de olhar para a sexualidade feminina (e também masculina) para um desenvolvimento da verdadeira sexualidade das mulheres.

A necessidade dessa reflexão vai para além de uma discussão sobre teorias psicológicas. Atualmente muitos homens e mulheres conscientemente reproduzem essas crenças psicológicas de que "a mulher tem inveja do pênis", por exemplo. E não há razão alguma para assumir necessariamente que o orgulho masculino pelo pênis implica humilhação ao correspondente feminino.

Essas crenças psicológicas e religiosas de superioridade dos homens em relação às mulheres continuam exercendo uma poderosa influência, moldando atitudes corporais, psicológicas e sexuais nos indivíduos. Esse problema diz respeito a homens e mulheres já que, se o homem tem uma atitude consciente ou inconsciente de superioridade ou desdém em relação ao feminino, tanto as relações com as mulheres reais fica prejudicada quanto a relação com a própria natureza feminina.

A necessidade de uma atitude de mudança e transformação de consciência coletiva e rompimento com o machismo envolve necessariamente que as mulheres possam ocupar outro lugar e existência em relação ao feminino - tanto delas quanto dos homens.

Quando mulheres tomam consciência desse controle e padrões impostos coletiva e individualmente a elas, pode-se pensar no rompimento e ressignificação mais ampla da temática da sexualidade e sua relação com a vida das mulheres em várias esferas – da mais íntima à mais pública.

O feminismo tem papel essencial nessa discussão, trazendo luz às necessidades atuais das mulheres que, se percebendo e assumindo feministas, se juntam para aprender, questionar, dividir abrem a a verdadeira e maior possibilidade de ressignificar o poder atribuído ao homem sobre a mulher, seu lugar na sociedade, nas relações afetivas e também sobre seu corpo.

Para transformar a relação com os homens e com o machismo, é preciso transformar, antes de mais nada, a relação consigo mesma.

Com os significados internos de ser mulher, de vir a ser mulher, e de poder amar e aceitar as outras mulheres como elas são. Apropriar-se da própria sexualidade é, antes de mais nada e acima de tudo, se utilizar da maior forma de poder que o homem exerceu sobre as mulheres até hoje: o controle do seu corpo, seu desejo, sua fala.


Todas as nossas experiências, dúvidas e angústias estão sendo compartilhadas no fórum - Trilha #2: Sexualidade | Olhando pra construções internas profundas - e assim, juntas, deixamos esse caminho mais fácil.


Renata Pazos é psicóloga junguiana com especialização em abordagem corporal, atua na área clínica há alguns anos trabalhando com a relação entre mente e corpo através da calatonia e dos toques sutis. Feminista em (constante) construção, vem dedicando-se a buscar novas formas de atuação terapêutica a partir de um olhar feminista para a Psicologia e psicoterapia. Tem como foco o trabalho com as mulheres e também o público LGBT.